quinta-feira, 14 de abril de 2011

ASPECTOS HISTÓRICOS E SOCIAS DO ABORTO

O termo “aborto” provém do latim aboriri e significa “separar do lugar adequado”. As mais remotas observações de que se tem notícia sobre métodos abortivos datam do século XXVIII antes de Cristo, tendo sido descobertos na China.
Com o passar dos séculos, o abortamento provocado foi estudado e discutido entre diversos povos antigos. Os israelitas, os povos mesopotâmicos, os gregos e os romanos preocuparam-se com o aborto, mas não chegaram a dar à questão o aspecto de “crime”, limitando-se a considerações de cunho moral.
Hipócrates, o grande gênio da incipiente medicina antiga, estudou não somente o quadro clínico do aborto, como estendeu sua preocupação ao tratamento e métodos para induzi-lo. Tal atitude, analisada em si mesma, traduz-se em frontal choque com o clássico juramento do grande estudioso, até hoje repetido com orgulho por formandos das Faculdades de Medicina de todo o mundo.
Tema tido como inquestionavelmente polêmico, o aborto de há muito vem sendo discutido, ora sendo apontado como problema, ora como solução. A verdade é que os povos primitivos ou não o previam ou, posteriormente, incriminavam-no com duríssimas penas. A aceitação do aborto como exceção à regra geral da proibição surge com extrema raridade em algumas legislações antigas, mas inapelavelmente condicionadas ao preenchimento de determinados e rigorosos requisitos.
Em termos concretos, é clarividente que as práticas abortivas sempre foram exercitadas em todo o planeta terra. Reprovadas pela grande maioria dos povos, foram, todavia, aceitas durante certo período em outras civilizações, sob o pretexto de que serviriam pra controlar o aumento populacional, que naquela época já preocupava os estudiosos.
Os primeiros opositores às práticas abortivas visavam defender não apenas o ser humano em formação (nascituro), mas igualmente a gestante e antes de tudo a própria sociedade, em virtude de o direito que lhe assiste de ter novos cidadãos.
O Talmud, um dos primeiros códigos surgidos em todos os tempos, depositário das mais arraigadas tradições dos rabinos, não fez qualquer referência ao ato de abortar, caminho igualmente seguido por outro documento de priscas eras: o Pentateuco.
A Bíblia sagrada encerra em seu âmago punições a quem praticar ou deixar que seja efetuado o aborto. É o que se observa no livro do Êxodo, capítulo XXI, versículos 20 a 22. Há quem afirme, porém, que o comando contido no livro do Êxodo, constitui reflexo do estatuído no Código de Hamurabi, pois, este, considerado o mais antigo dos diplomas de cunho jurídico, previa indenizações em casos de aborto provocado, cujo valor variava ocorresse ou não a morte da mulher. A punição era ainda mais exemplar na hipótese de o aborto resultar em morte de mulher livre, quando então a filha do provocador também seria morta.
O Egito antigo carecia de previsão pertinente ao aborto. Posteriormente, na Lei de Manu, aplicada na índia, surgiu cogitação de aborto como prática criminosa. Se dele resultasse a morte de mulher pertencente à casta dos padres, o responsável seria castigado como se houvesse ceifado a vida de um Brahmane, submetendo-o a penas corporais que, em grau máximo, chegariam à morte.
Os assírios puniam severamente as práticas abortivas, de forma que se aplicava a pena de morte a quem fizesse abortar mulher que ainda não tivesse filhos. Pena desmedida infligia-se também à mulher que se submetesse a tais manobras sem consentimento do marido, consistindo a punição na empalação, do que resultava a morte.
Na Pérsia, o livro de Zend Avesta, seguido como código de conduta pelo povo, adotou o sistema de repressão aos pais, tidos como responsáveis em conjunto pelo aborto praticado pela filha. Eram os pais da mulher que praticasse o aborto, expostos à execração pública e, por fim, executados.
Entre gregos e romanos, estóicos e cínicos, doutrinadores da época, chegaram ao extremo de aconselhar a prática ilimitada do aborto, orientação logo reprimida com a intervenção dos legisladores, que atuaram no sentido de criar leis que salvaguardassem os interesses do pai e da sociedade. A preocupação dos legisladores de então, como se observa, direcionava-se à preocupação com o pai do nascituro e até mesmo com a comunidade, todavia, não ouvia qualquer voz em defesa da gestante, eis que as mulheres daquele tempo eram tidas como verdadeiro objeto sem maior valor. Todavia se a gravidez ocorresse fora do matrimônio, a situação jurídica mudava, porquanto, tanto gregos como romanos não hesitavam em aconselhar a prática abortiva.
Os filósofos Aristóteles e Platão, pregavam a utilidade do aborto como meio de conter o aumento populacional, para eles, fonte inesgotável de miséria. Aristóteles, todavia, sugeria que se praticasse o aborto antes que o feto tivesse recebido sentidos e vida, sem, especificar, contudo, quando se daria esse momento.
Nos primórdios de Roma, a punição em relação ao aborto assumiu caráter privado, já que o pater familiae, expressão que designava o pai, o chefe da família, tinha poder absoluto sobre a vida de seus filhos, e, portanto, dos que nasceriam. Caso a mulher procurasse abortar sem o consentimento do pater familiae, este poderia puni-la severamente, inclusive com a morte.
À época da Republica romana, o aborto foi considerado ato imoral; entretanto, teve larga utilização entre mulheres que se preocupavam com a aparência física, que durante determinado período assumiu grande importância no meio social romano, vaidade herdada do tempo do império. Cresceu tanto o número de abortos devidos àquela causa que sem demora os legisladores passaram a considerá-los como crimes.
Com conseqüência disso, a Lei Cornélia cominou pena de morte à mulher que consentisse com a prática abortiva. Quanto aos que a executavam, previu pena igual, com a possibilidade de aplicação de pena menor caso não ocorresse a morte da gestante em função do aborto.
O Surgimento do Cristianismo alterou profundamente a visão que se tinha a respeito do aborto, em outra dicção, trouxe uma visão diversa na conceituação do aborto, haja vista o dogma, a crença de que o homem possuía uma alma imortal, que do Criador do Universo emanava e a ele retornaria após a morte. Além do que, sendo o homem um ser criado à imagem e semelhança de Deus, não deveria ter o poder de vida e morte sobre o seu semelhante, atributo cabível única e exclusivamente ao Criador.

JOSIVALDO FÉLIX DE OLIVEIRA
Juiz de Direito – Especialista em Direito – Prof.º do UNIPÊ.

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