quinta-feira, 14 de abril de 2011

APLICAÇÕES PRÁTICAS DO DIREITO INTERTEMPORAL À LUZ DAS INCONSTITUCIONALIDADES DE DISPOSITIVOS DO NOVO CÓDIGO CIVIL

                           Todas as leis novas exigem comentário, na medida de sua importância. Não há texto límpido, a ponto de dispensar exegese. Os códigos, sobremaneira, por sua amplitude, exigem estudo de seu sistema, mais do que análise de suas disposições isoladas.
No caso do novo Código Civil Pátrio, inegável que apesar dos cuidados do legislador em adaptar o projeto do Código de 1975, à Carta Magna de 1988, algo de incompatível com o novo ordenamento constitucional permaneceu devendo ser repelido pela consciência jurídica geral. É na segunda parte do artigo 2.035 do Código Civil que vamos encontrar uma dessas incompatibilidades vertical.
Segundo a dicção do citado art. 2.035, “a validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor do Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução”.
Como se vê a primeira parte do dispositivo contém o óbvio. Os atos jurídicos consolidados antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002 estarão sob a égide da lei anterior. A segunda parte, todavia, que tentou solucionar a questão de direito intertemporal não alcançou o seu intento. Ao pretender o legislador, que os efeitos dos negócios jurídicos ocorridos depois da vigência do novel Estatuto Substantivo, a ele se subordinem, mortificou o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.
Resplandece de forma cristalina a incompatibilidade vertical entre o comando do artigo 2.035 do CC e o dispositivo constitucional retro citado. Aquele está a se referir, notadamente aos contratos de execução diferida, continuada ou de trato sucessivo.
Também a multa condominial recepcionada no § 1º do artigo 1.336, da Lei Substantiva Civil, mesmo sendo norma de ordem pública, mas se tratando de Condomínio celebrado por convenção dos interessados, não pode retroagir para alcançar os pactos firmados sob a égide do código de 1916; só podendo ser aplicada para os condomínios criados após a entrada em vigor do novo Código Civil.
É assim porquanto é do conhecimento geral que, pelo princípio “tempus regit actum”, se o contrato foi celebrado sob a existência de uma lei, ainda que seus efeitos ocorram no futuro, durante nova lei, ditos efeitos não se submetem à lei posterior. O contrato fica subjugado à lei do tempo em que houve a celebração, a consumação do pacto.
Este é o pensamento de Paul Roubier que, inobstante entender que a lei tem aplicação imediata e geral, ressalva os contratos de trato sucessivo. Para o mestre francês, se um contrato de execução continuada foi celebrado em uma determinada época, a lei a ser aplicada é a da época em que o contrato foi ajustado.
Em corolário ao entendimento de Roubier, o Excelso Pretório, julgando a ADIn 493 – DF, em erudito voto do Min. Moreira Alves, pontificou: “Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. O disposto no artigo 5º, XXXVI, da CF se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF. Ocorrência, no caso de violação de direito “adquirido”(JSTF – Lex 168/70)”.
Partilha do mesmo entendimento Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, 5º ed., 1980, p. 132-133); Orlando Gomes (Questões Mais Recentes de Direito Privado, Saraiva, 1988, p. 4, item 3); J.M. Othon Sidou (O direito legal, 1985, Forense, p. 228-229, item XIII); Serpa Lopes (Curso de Direito Civil, vol. I, p. 191-192).
Da lição dos mestres citados a certeza de que, em sendo os contratos de trato sucessivo que sobreviveram ao novo código, ou melhor, cujos efeitos se protraem e protrairão no tempo mesmo depois da vigência do Código Civil de 2002, não gozarão de aplicação imediata e geral a nova legislação. Ainda estarão jungidas ao Código de 1916. É de se deixar claro, porém, que se for de consumo a relação contratual, a aplicação é da lei 8.078/90.
Dentro do contexto penso, sem embargos de outras opiniões mais abalizadas que tanto o artigo 2.035 em sua parte final, como o 1.336, § 1º, ambos do Código Civil, são incompatíveis com o comando do artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal e, portanto, não poderá subsistir, nem tampouco merecer aplicação por parte dos juízes e tribunais. Todo contrato celebrado na vigência do Código Civil de 1916 (excetuando-se aqueles albergados pelo Código de Defesa do Consumidor), mesmo que de trato sucessivo, terão aplicação em vista da lei anterior e não do Código de 2002.
Em outras palavras e diante da insofismável tendência da intangibilidade do ato jurídico perfeito é que os efeitos dos negócios jurídicos que venha a se perfazer durante a vigência do Código Civil de 2002 a este Diploma não se subordinam. Inquestionavelmente o Código de 1916 continuará sendo aplicado como proteção ao ato jurídico perfeito celebrado sob sua égide. Somente assim a segurança, a certeza, e a justiça contratual gozarão de plenitude e eficácia consolidando o Estado de Direito.
A posição unânime e clarividente do Supremo Tribunal Federal e o consolidado entendimento doutrinário e pretoriano de que é retroativa a lei nova que pretende alcançar os efeitos futuros de negócios jurídicos conduzem o aplicador do direito a não recear na declaração de que os comandos dos artigos 2.035 e 1.336, § 1º do atual Código Civil padecem de um grave vício de inconstitucionalidade.

JOSIVALDO FÉLIX DE OLIVEIRA
Juiz de Direito – Especialista em D. Civil – Prof.º do UNIPÊ.

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